Autores: Ximena Serrano Gil e Mara Brugés Polo

Na Colômbia, a percepção das sementes geneticamente modificadas é representada por dois grupos, os favoráveis e os contrários ao seu uso. Em cada lado há políticos, pesquisadores, agricultores, funcionários públicos e tomadores de decisão que não conseguem chegar a um acordo.

Um bom café da manhã colombiano inclui as típicas “arepas” (bolinhos) de milho, “envueltos” (pamonhas doces ou salgadas) e outros quitutes. O que muitos comensais não sabem é que essas típicas preparações são feitas, na sua maioria, com milho geneticamente modificado, fruto da biotecnologia agrícola. Sim, a mesma que, mediante um processo de laboratório, modifica a semente para torná-la mais resistente às pragas ou para aumentar sua produtividade.

Isso porque o café da manhã é muito importante para os colombianos, principalmente nos finais de semana: “Aqui na cidade a cada oito dias tem uma feira indígena e fazemos chicha doce (bebida fermentada) e forte para beber, muitas coisas feitas de milho. Todos os dias comemos a arepita (bolinho) e o mute (sopa) preparados com o mesmo milho que semeamos, o transgênico, e nunca aconteceu nada, enquanto houver milho não há fome”, diz Arnulfo Pupitra Ortiz, agricultor

Arnulfo tem 47 anos e só conhece uma forma de subsistência: a agricultura. “Desde os sete anos trabalho no campo. Aos 12 fiz meu primeiro plantio, trabalhava com o meu pai... um agricultor como eu”, comenta, ao relembrar que “era muito triste ver meu pai trabalhar e nunca ter nem ao menos um teto de zinco”. Eram seis filhos e todos tinham de dormir no mesmo quarto. Seu pai plantava principalmente semente de milho nativa e a produção não era suficiente para sustentar a família em melhores condições.

Como em muitas partes do mundo, os organismos geneticamente modificados (OGM) divagam entre ódios e amores. Enquanto políticos, cientistas e industriais brigam defendendo seus argumentos, os trabalhadores rurais ficam no meio de um debate para o qual não foram convidados, mas são diretamente afetados.

Na Colômbia, a vida de muitos trabalhadores rurais que cultivam transgênicos desde a década do ano 2000 poderá mudar, se for aprovado um Projeto de Lei, cuja proposta é “modificar o artigo 81 da Constituição Política da Colômbia para proibir a entrada no país, assim como a produção, a comercialização, a exportação e a liberação de sementes geneticamente modificadas, a fim de proteger o meio ambiente e garantir o direito dos ‘campesinos’ (trabalhadores rurais) e agricultores às sementes livres”.

Arnulfo, que desde criança viu como seu povo perdia safras inteiras e acabava repleto de dívidas, respira fundo e explica: “Colocávamos veneno para controlar as pragas e não conseguíamos controlá-las, precisávamos colher manualmente todas as larvas dos ramos do milho, desobstruir um a um, tirar a larva e matá-las, para que a planta pudesse seguir seu curso”.

Como se fosse uma aparição que os salvaria daquela pobreza, as sementes transgênicas chegaram à vida de Arnulfo e de ao menos 150 famílias da sua reserva: “Nossa vida mudou. Foi um salto imenso. Já não tínhamos de capinar, podíamos descansar”, comenta esse agricultor, enquanto suas mãos gastas pelo trabalho são testemunho daquela época. “Quando chovia e era a nossa vez de lançar a enxada na terra naquele terreno penoso, saíamos muito cansados, era uma coisa assustadora e terrível, porque a pessoa via aquela plantação cheia de plantas daninhas; com o transgênico descansamos desse trabalho tão duro”.

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A política dominando o debate

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A política dominando o debate

A Colômbia não poderia cultivar sementes transgênicas, mas os colombianos poderiam sim consumir produtos geneticamente modificados que entrassem legalmente no país. Assim ficaria a lei, se fosse aprovada a iniciativa apresentada pelo Deputado Juan Carlos Lozada Vargas à Câmara, que, com outros 12 parlamentares, procura proibir pela Constituição Nacional a entrada, a produção, a comercialização, a exportação e a liberação de sementes geneticamente modificadas na Colômbia.

Se for aprovada, seria uma lei ‘manca’, porque a Colômbia não é autossuficiente para substituir alguns produtos transgênicos que abastecem a despensa nacional. A pesquisa também estaria de mãos atadas até mesmo para propor uma saída: “A proibição é total, não haveria exceções, muito menos sendo uma reforma constitucional. Não se poderia produzir material geneticamente modificado na Colômbia”, explica Lozada, que argumenta que “infelizmente, a ciência é presa da produtividade” e, portanto, os cientistas colombianos não poderão pesquisar usando OGM.

Mas nem todos dividem essa mesma posição no Congresso da República. É o caso do congressista Gabriel Vallejo Chujfi, membro da Primeira Comissão da Câmara dos Representantes, para quem essas são questões de segurança nacional, por estarem relacionadas à soberania alimentar. Garante que “esse tema infelizmente deixou de ser uma discussão científica, como deveria ser, para se tornar uma discussão puramente política, com alto teor de populismo”.

E por que trazê-lo para uma categoria constitucional? Para Vallejo, isso poderia ser regulamentado pela autoridade sanitária. “É muito grave que queiram proibir a importação de sementes transgênicas e a produção nacional. Hoje contamos aqui com mais de 14 centros de pesquisa melhorando geneticamente as sementes cultivadas por nossos agricultores. Para quê? Para que o campo possa gerar riquezas... A proibição geraria o contrabando de sementes e isso teria consequências muito graves para a agroindústria”, conclui.

O dilema dos agricultores

Por séculos a população de agricultores da Colômbia foi composta por trabalhadores rurais, comunidades indígenas e afro-colombianas, que, entre canções e lágrimas, fornecem à terra suas tradições e crenças, as mesmas que hoje os dividem entre o uso da semente geneticamente modificada pelo homem ou da semente nativa, herança de um conhecimento ancestral.

Por exemplo, na reserva de Palma Alta, onde Arnulfo vive com seus quatro filhos e sua esposa, há indígenas convencidos dos benefícios da biotecnologia agrícola; outros, como o ex-governador da reserva, Orlando Pamo, acham que as sementes transgênicas são produto de “uma tecnologia de mercado fraudulenta e corrupta”. Como afirmou a centenas de quilômetros de distância, em Bogotá, durante uma Audiência Pública do Congresso da República: “As comunidades nativas do município de Pijao apóiam totalmente o Ato Legislativo que está sendo discutido”.

Mas o que pensam outros agricultores não indígenas? Jairo Palma, representante da Confederação Colombiana do Algodão (Conalgodón), declara-se defensor unânime da tecnologia e defende os resultados da semente transgênica para o manejo de pragas: “Nós éramos controladores das pragas e agora, com a tecnologia transgênica, nos dedicamos a outras coisas. Antes tínhamos de fazer cerca de 20 aplicações e hoje no máximo cinco. Como agricultor familiar e agrônomo por formação, controlo melhor 500 hectares de lavouras transgênicas, e não 50 hectares das convencionais. E estou mais tranquilo”, garante.

Esse dirigente está convencido de que, se os transgênicos fossem retirados do mundo, haveria mais fome porque os estoques dos agricultores estariam desabastecidos. Também acha que ‘brincar de Deus’ pode ter consequências, mas sustenta que “as multinacionais não são tão tolas para fazer algo errado para depois serem crucificadas”. Também se tranquiliza ao lembrar da quantidade de cientistas trabalhando na pesquisa de transgênicos e explica que, definitivamente, existem controles e agências sérias, como o FDA, responsáveis por fazer o acompanhamento.

Se os pequenos e médios agricultores defendem a tecnologia e alguns legisladores buscam sua proibição com o argumento de proteger e salvaguardar a soberania alimentar, quem tem razão? A ciência teria de debulhar os argumentos que validam as decisões; mas, aparentemente, a ciência também não entra em acordo.

Queda de braço entre a comunidade científica

Nessa oferta de argumentos e contra-argumentos, o debate sobre a proibição dos OGM na Colômbia mobilizou a comunidade científica e revelou a polarização entre ela por meio de aos deputados e senadores do Congresso da República, nas quais mais de 200 cientistas, acadêmicos, especialistas e agremiações expuseram suas razões e deixaram clara sua posição.

As cartas que rejeitam o Projeto de Lei são assinadas por renomados cientistas e acadêmicos nacionais, incluindo alguns integrantes da Missão Internacional dos Sábios, reitores e vice-reitores de universidades, os quais entre as suas razões apontam que: “O projeto não mede o alcance de uma proibição como esta sobre o desenvolvimento científico, produtivo e sustentável do país, bem como para a geração de mecanismos de proteção ao meio ambiente”. A comunicação desse grupo faz alusão à posição dos Prêmios Nobel sobre os transgênicos.

Na outra face da moeda está a carta apoiando o Projeto de Lei assinada por mais de cem cientistas, agremiações e pessoas de outros setores profissionais, que questionam os argumentos das multinacionais sobre os OGM. Chama particularmente a atenção que 50% dos signatários sejam cientistas de outros países e apresentem uma “ampla análise de estudos e evidências científicas sobre os efeitos adversos ambientais, socioeconômicos e à saúde associados aos cultivos transgênicos em várias regiões do mundo e na Colômbia”, cita a carta.

Em quem acreditar, quando as cartas a favor e contra envolvem membros da comunidade científica? Se existe discordância entre os pesquisadores, o que acontecerá com agricultores como Arnulfo, que dedicaram toda sua vida à agricultura? E se a importação do milho transgênico for proibida, como suprir a demanda colombiana?

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O Governo e a indústria: de mãos dadas?

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Indo mais a fundo sobre os OGM e o papel da ciência nesse tipo de debate, Histórias sin Fronteras contatou um dos mais renomados pesquisadores colombianos, líder do projeto Plataforma de Transformação Genética da Alianza Biodiversity International e do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT). Ao ser questionado sobre o que acontecerá se a proibição for aprovada, não hesita em responder que significa “jogar fora anos de pesquisas e recursos. É abrir uma brecha à ilegalidade em termos de transgênicos, como acontece na Bolívia, no Peru e como ocorreu no Brasil”.

O Governo e a indústria: de mãos dadas?

Em entrevista a Historias sin Fronteras, Alfonso Alberto Rocero, engenheiro agrônomo com doutorado em Manutenção Genética de Plantas e diretor técnico de Sementes do Instituto Colombiano Agropecuário (ICA), garantiu que “a Colômbia conta com um marco regulatório robusto”. E reconheceu que há muitas pessoas contrárias a esses cultivos “por desconhecimento... O instituto não é contra nem a favor dos OGM, mas vela para que os agricultores tenham alternativas de plantio”.

Diante da proposta que corre no Congresso para proibir os cultivos transgênicos no país, o funcionário do ICA pensa que “seria como voltar no tempo”, porque a Colômbia já percorreu um caminho e até o momento não houve relato de que esses cultivos tenham efeitos adversos na saúde humana e animal ou na diversidade biológica.

Por sua vez, María Andrea Uscátegui Clavijo, diretora-executiva da Associação de Biotecnologia Vegetal Agrícola (Agro-Bio), concorda com o diretor do ICA de que, se o Projeto de Lei for aprovado, “seria um atraso de 20 anos”. Segundo ela, “toda a experiência adquirida se perderia e os agricultores ficariam limitados às tecnologias obsoletas, sem os benefícios proporcionados hoje pelos cultivos geneticamente modificados e ainda deixariam de ter sementes muito mais resistentes para semear solos que antes não eram adequados para a agricultura”.

Na Colômbia “há cientistas muito capacitados que são exemplo para outros no mundo”, comenta Uscátegui. Para ela, se uma nova lei for aprovada, até “os consumidores arcariam com as consequências, pois não existe uma produção estável de alimentos, em vez disso, podemos ter preços acessíveis ao consumidor ou alimentos com benefícios nutricionais que hoje não temos na Colômbia, mas com certeza vão chegar”, defende a diretora da Agro-Bio, entidade que reúne quatro multinacionais presentes no mercado de sementes transgênicas na Colômbia (Bayer, Syngenta, Basf e Corteva).

Diante desse panorama, fica claro que os tomadores de decisão na Colômbia deverão se focar menos na política e mais na ciência, como se esperaria para obter a melhor e a mais embasada decisão, pois, em qualquer veredicto, as implicações para os agricultores colombianos são enormes.

Arnulfo, vestido com a camisa amarela da Seleção Colombiana de Futebol, refletindo suas raízes nacionais, termina a entrevista preocupado, pois desconhecia que provavelmente não poderá voltar a cultivar transgênicos: “Se aprovarem essa lei, o que faremos para ser competitivos e proteger nossas famílias?”, questiona esse agricultor indígena que vive da terra. Enquanto isso, os proponentes do Projeto de Lei se preparam para apresentá-lo pela terceira vez em julho próximo no Congresso. ‘Amanhecerá e veremos’, diz o velho ditado popular.

Culturas geneticamente modificadas na Colômbia 2019