O debate permanente em torno da agricultura nos últimos 30 anos deve definir o que é sustentável. Segundo a FAO, há três dimensões da sustentabilidade: econômica, social e ambiental. Na agricultura, o trabalho nesses eixos implica reduzir a pobreza, a fome e aumentar a produtividade e a rentabilidade dos agricultores, trabalhadores rurais e indígenas em pequena escala como parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.
Mais de 820 milhões de pessoas no mundo passam fome e, paradoxalmente, não há nenhum país livre da obesidade. Embora, segundo os indicadores de desenvolvimento da FAO, Brasil, Chile, Equador, Peru, Paraguai e Bolívia tenham sido emblemáticos na redução da pobreza rural, a desigualdade continua muito presente na América Latina e há uma divisão muito marcada entre a ruralidade e a urbanidade, entre os grandes e os pequenos produtores.
Em geral, os trabalhadores rurais e os indígenas desconhecem os benefícios das aplicações tecnológicas sustentáveis, enquanto as empresas transnacionais as utilizam constantemente.
Além disso, nem toda biotecnologia envolve transgênese. É possível melhorar os alimentos e torná-los mais resistentes às pragas com outros métodos alternativos.
Para María de Lourdes Torres, doutora equatoriana em biologia molecular, o importante é não cair na monocultura que há séculos tem causado inúmeros danos ao solo, em numa época em que a população mundial a ser alimentada continua crescendo (7,7 bilhões de pessoas ) e a segurança alimentar da humanidade está comprometida.
Soma-se a isso a recessão econômica global desencadeada pela COVID-19. A OMS estimou em 2020 que 83 milhões de pessoas, e talvez até 132 milhões, começaram a passar fome em 2020 como resultado da pandemia.
Enquanto as leis da Colômbia, do Equador e do Peru colocam limites aos OGM, no mundo as organizações governamentais, sem fins lucrativos e acadêmicas utilizam sementes livres de patentes, o que nos leva a pensar que existe a possibilidade de usar ferramentas biotecnológicas, sem necessariamente depender das multinacionais que controlam o mercado das sementes transgênicas como Bayer, Corteva, Syngenta ou BASF.
Para exemplificar, a Colômbia autorizou o cultivo da primeira semente transgênica de código aberto desenvolvida no país, de um milho resistente às pragas e aos herbicidas, feita com tecnologia de melhoramento, cuja patente já havia expirado.
Do meio acadêmico, o debate sobre os transgênicos é percebido como anacrônico.
“A biotecnologia faz parte das nossas vidas antes mesmo de sermos conscientes da sua existência: por exemplo, o pão, a cerveja ou o queijo, consumidos desde sempre, são produtos de técnicas biotecnológicas anteriores à transgênese”, esclarece a bioquímica Rosa Angélica Sánchez, ex- diretora geral de recursos genéticos e biotecnologia do Instituto Nacional de Pesquisas Agrárias (INIA) do Peru.
Hoje, uma técnica mais avançada de edição genética, a CRISPR / Cas, é uma grande promessa no setor agrícola mundial.
Essa explicação é geral, mas pode variar de acordo com a espécie e o tipo de reprodução.
Fontes: Chilebio.cl y Cienciamx.com
A CRISPR funciona como tesouras seletivas que cortam e modificam qualquer sequência do genoma com uma precisão sem precedentes. Se usar transgênicos para melhorar os produtos significa ir a toda velocidade em uma rodovia, a CRISPR seria "como viajar de avião", argumentam os mais entusiastas com a técnica.
A ferramenta, que garantiu o Prêmio Nobel de Química em 2020 aos seus criadores Emmanuel Charpentier e Jennifer Doudna, não envolve a transferência de DNA de uma espécie a outra, como acontece com os transgênicos, mas pode tornar as plantas mais produtivas, resistentes às secas ou às doenças, mais nutritivas ou mais saborosas (ver o caso da batata argentina que não se oxida, ou do cogumelo que não escurece).
Além disso, a CRISPR tem grande potencial para os governos e organizações que o dominam, pois é fácil e barata de ser usada e também recebe menor resistência dos reguladores, por não conter DNA estrangeiros.
Para Paul Chavarriaga, líder do projeto Plataforma de Transformação Genética da Alianza Biodiversity International e do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT) da Colômbia, a solução é a combinação das duas tecnologias: transgênese e edição genômica, como está sendo feito com a mandioca waxy. Além disso, aponta que o futuro está em olhar para dentro e identificar as necessidades locais e fortalecer o que temos. Adaptar a tecnologia para que seja útil à economia do país.
Inevitavelmente, a maneira como tomamos decisões sobre os cultivos transgênicos é o precedente para novos debates sobre a CRISPR e novas técnicas biotecnológicas. Vamos aproveitá-las ou lhes damos as costas? Capacitamos nossos agricultores para obterem o máximo proveito ou os mantemos na ilegalidade? Qualquer uma das opções terá implicações para o progresso e o bem-estar da nossa agricultura e, consequentemente, das nossas populações.
Enquanto alguns defendem “com unhas e dentes” a cultura transgênica, outros se opõem categoricamente ao seu desenvolvimento. Razões (não exatamente científicas) abundam em todos os lugares, tanto entre quem é a favor como contra. O problema é: onde está o verdadeiro equilíbrio da balança?
• Maior produtividade e rendimento
A semente transgênica promete maior produtividade por hectare semeado, o que por sua vez proporciona maior rendimento, se comparada à cultura tradicional.
• Redução de pragas
Um dos benefícios da semente transgênica é a resistência às pragas e aos insetos, o que fica evidente na diminuição do número de aplicações de inseticidas e pesticidas.
• Menor custo de produção
Os agricultores de sementes transgênicas ganham um aumento de produção e economizam na utilização de insumos para o seu cultivo, inclusive comprando novas sementes para cada cultivo.
• Maior comercialização
Os produtos transgênicos são mais baratos e acessíveis à população, por isso têm uma boa saída no mercado nacional e internacional.
• Contribuição para a segurança alimentar em países pouco desenvolvidos
Com a semente transgênica se produz mais alimentos do que com a semente tradicional, portanto, estaria garantida a disponibilidade de alimentos a um preço menor.
• Perigo à saúde
Alguns países europeus têm se recusado a plantar sementes transgênicas, devido ao risco que poderiam representar à saúde humana. Multinacionais que comercializam sementes transgênicas são originárias desses países e, mesmo assim, essa atividade é proibida nesses locais
• Ameaça ao meio ambiente
Os transgênicos também requerem o uso de agroquímicos, de modo que o impacto na biodiversidade não é zero, mas, por outro lado, os efeitos sobre a agricultura tradicional e orgânica podem sim ser nocivos.
• Contaminação e risco para a agricultura tradicional
As regiões consideradas centros de origem das sementes nativas correm sério risco de se contaminar e de perder permanentemente sua diversidade genética. Os povos declarados ‘livres de transgênicos' veem sua agricultura tradicional ameaçada pela contaminação dos transgênicos.
• Falta de estudos aprofundados sobre seu impacto a longo prazo
Diversos setores, incluindo alguns membros da comunidade científica, reafirmam sua preocupação com os poucos estudos existentes (não financiados por multinacionais) sobre a segurança do consumo de alimentos transgênicos.
• Controle do negócio pelas multinacionais
Os agricultores ficam sujeitos aos preços das empresas multinacionais que administram o negócio dos transgênicos. Como não existe uma competição saudável, devem aceitar as condições das empresas.